As redes sociais estão totalmente integradas à vida dos adolescentes: nesses sites eles interagem com seus amigos, conhecem pessoas novas, expõem suas fotos e também seus vídeos. O fato de muitas informações pessoais – publicadas pela própria pessoa ou por seus amigos -- ficarem disponíveis na web, no entanto, pode fazer com que os jovens vivessem como se estivessem no zoológico. Ou em um circo.
Quem define é o psiquiatra britânico Richard Graham, 48, especializado em crianças e adolescentes: “Todos passam, assistem ao que eles estão fazendo e solicitam algo”.
“A informação publicada sobre você [na internet] é como uma jaula. As pessoas vão dizer isso e aquilo, vão colocar fotos suas e então você estará preso. E tentará controlar isso da forma como pode, mudando seu status, os dados do seu perfil, mas é como brigar com o oceano, onde há muitas coisas acontecendo ao mesmo tempo”, afirmou o especialista ao UOL Tecnologia.
Graham lidera desde março de 2010 um serviço de atendimento no hospital Capio Nightingale, em Londres, voltado a jovens viciados em tecnologia (LEIA MAIS sobre o serviço). A instituição particular tem diferentes tipos de tratamentos para aqueles que não conseguem se desconectar – entre eles, uma internação em que o paciente passa cerca de um mês vivendo no local, sem acesso a computadores.
Confira abaixo os trechos da entrevista ao UOL Tecnologia, em que ele fala sobre redes sociais.
UOL Tecnologia – Como as redes sociais mudam a vida dos adolescentes?
Graham – Os jovens hoje crescem não apenas em um mundo social, mas em um mundo transparente, onde quase tudo é visto por todos. Se você cometer um erro, ele será publico. Se fizer algo bom, também será publico. É como viver em uma casa de vidro sem cortinas, sem portas, onde qualquer um pode entrar e vê-los. Da mesma forma, eles também podem ver todo mundo, o que acaba criando uma competição intensa e uma comparação intensa.
Talvez por isso muitos deles criem identidades falsas: somente sendo outra pessoa, eles conseguem ser eles mesmos. Essa é uma forma de colocar cortina em suas casas de vidro.
UOL Tecnologia – A internet, então, é uma vitrine de gente?
Graham – É uma vitrine, uma constante competição em que todos querem estar no topo o tempo todo. E isso demanda muito de seus usuários.
UOL Tecnologia – A internet pode aumentar a ansiedade, pelo fato de o usuário querer checar e responder mensagens?
Graham – Sim. A informação publicada sobre você é como uma jaula. As pessoas vão dizer isso e aquilo, vão colocar fotos suas e então você estará preso. E tentará controlar isso da forma como pode, mudando seu status, os dados do seu perfil, mas é como brigar com o oceano, onde há muitas coisas acontecendo ao mesmo tempo.
Se pensarmos que, além dos amigos, as empresas também estão de olho nas informações publicadas online, me parece que os jovens hoje podem se sentir como vivendo em um zoológico. Ou em um circo. Todos passam, assistem ao que eles estão fazendo e solicitam algo deles.
Isso sem contar aqueles que sofrem ciberbullying, quando às vezes recebem por dia centenas, milhares de mensagens. Isso faz a pessoa se sentir incapaz de controlar o que está sendo dito sobre ela. E quanto mais você confrontar o que é dito, mais poderoso será o efeito [da mensagem]. Minha preocupação com os jovens é que essa situação seja tão intensa que possa ser capaz de controlá-los.
Mas essa situação também pode funcionar de outro jeito. Você pode ser o Justin Bieber e fazer muito sucesso na internet. Ou organizar via mensagens na internet manifestações como as que aconteceram no Egito, na Líbia, na Tunísia.
UOL Tecnologia – Hoje em dia, muitas pessoas ficam conectadas à internet de seus celulares mesmo quando estão com outras pessoas. Qual o impacto desse hábito?
Graham – Quando você anda pelas ruas, hoje, a sensação é de que 30, 40% das pessoas estão olhando para seus celulares. O que perdemos com isso é a satisfação de realizarmos coisas mais complicadas, difíceis ou desafiadoras, que certamente não são tão rápidas. Temos a impressão de que algo só vale a pena se acontecer rápido. Em toda situação vai existir alguns momentos que são entediantes, que não são tão importantes, que pode se sentir um pouco excluído. Hoje, nesses momentos, é como se tivéssemos um irmão gêmeo [virtual] e recorrêssemos a ele o tempo todo.
UOL Tecnologia – Mas esse “eu virtual” pode ser mesmo mais divertido, não?
Graham – Isso tem um preço. Ele pode fazer com que você perca coisas que seriam mais envolventes, mais gratificantes. Quando você vai a um show, hoje, as pessoas ficam segurando seus telefones e assistindo a tudo pela tela do telefone. O que você vê na tela pode mostrar o que acontece, mas é bidimensional, não é tão imersivo como se você usasse todo o seu corpo, seus sentidos. Você pode levar três dias para ler um livro, mas é uma experiência diferente de ver um vídeo de três minutos: no livro algo se constrói, há uma construção.
UOL Tecnologia – A oferta da internet está cada vez maior, inclusive nos celulares. Para onde caminhamos com tanta tecnologia disponível?
Graham - Ninguém vai impedir que a tecnologia se desenvolva, mas nós que trabalhamos com saúde precisamos entender como ela muda e como ela nos muda. Temos de nos manter atualizados com a tecnologia e trabalhar com a indústria para que eles também sejam socialmente responsáveis por ela.
O Google, por exemplo, tem 50% ou mais de seu quadro de funcionários composto por engenheiros, não há psicólogos. Eles pensam no que funciona para o negócio, o que é bom para a economia, mas há problemas com os quais precisamos lidar.
Precisamos desenvolver diretrizes para usar a internet e, fundamentalmente, aumentar a consciência de todos sobre o uso da internet. Para pais e profissionais como eu há muitas dúvidas sobre qual a coisa certa a fazer. Temos, juntos, de achar algumas respostas, senão deixaremos essa geração de crianças abandonadas nesse zoológico ou nesse no circo.